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Biografia de Clarice, vale a pena ler.

Clarice sempre conservou em torno de si, um certa aura de mistério, aura ela que essa negava, afirmando ser uma pessoa normal, isso foi dito por em suas entrevistas, tentando negar esse modo como as pessoas a viam: "Eu nunca pretendi assumir atitude de superintelectual. Eu nunca pretendi assumir atitude nenhuma. Levo uma vida corriqueira. Crio meus filhos. Cuido da casa. Gosto de ver meus amigos. O resto é mito."

Mas esse mistério parece mesmo envolvê-la, desde o seu nascimento, que levanta muitas dúvidas. Os pais de Clarice, Pedro e Marieta Lispector viviam na Ucrânia, numa aldeia chamada Teplek, quando resolveram vir para o Brasil, pois possuíam alguns parentes residindo aqui já, o destino seria Maceió. As duas irmãs de Clarice, Elisa e Tania, já haviam nascido, de modo que a família, quando começou a viajar para chegar à América era composta de 4 pessoas. No meio do caminho, na pequena aldeia de Tchechelnik, na Ucrânia, Clarice nasceu. Embora existam certidões de nascimento diferente, e a própria Clarice adote diferente anos de nascimento, principalmente o de 1925, a data mais aceita é a de 10 de dezembro de 1920.
Ao chegarem em Maceió, Clarice tinha 2 meses, era fevereiro de 1921. Aí a família ficou durante 3 anos e meio, de onde foram para o Recife, onde chegaram por volta de 1924: Clarice possía então quase 4 anos. A mãe era uma pessoa doente, que sofreu de paralisia progressiva e ficou inválida até morrer. No Recife, a família judia foi morar num velho casarão. O pai trabalha como mascate e vendia tecidos para roupas; as filhas estudavam e a mãe, Marieta, fica sempre em casa, paralisada por causa da doença. A família quase passou fome, Clarice afirma certa vez: "Porque tinha em Recife, numa praça, um homem que vendia uma laranjada na qual a laranja tinha passado longe, tudo aguado, e um pedaço de pão e era nosso almoço."

O núcleo familiar constituirá um eixo fundamental em torno do qual serão construídos os textos de Clarice Lispector. A família não tem formação artística, mas tem vocação para a arte e a erudição, como o pai que gostava de ler, apreciava música, tinha tendência para as matemáticas e carregava uma tristeza por não ter podido estudar. Os primeiros textos que Clarice escreve, ela manda com a ajuda de Tania, sua irmã, para a seção infantil do Diário de Pernambuco: "Ali eram publicadas as melhores histórias enviadas pelas leitoras mirins, com sorteio de vários prêmios. Nunca ganhei nada. Depois de muito pensar encontrei o porquê: todas as histórias vencedoras relatavam fatos verdadeiros. As minhas somente continham sensações e emoções vividas por personagens fictícias".
Às vezes ia passear com as irmãs e o pai, aos domingos, até o cais do porto e depois até um bar onde ela tomava Ovomaltine. Era uma alegria difícil, havia a preocupação com o gasto. No bar, teve a preocupação de escolher "uma coisa que não fosse cara, se bem que o banco giratório encarecesse tudo". Quando não gosta, mente que gosta diante deles, que presenciam "a experiência da felicidade cara". E há ainda uma fala do pai: "De volta, o pai dizia: mesmo sem termos feito nada, gastamos tanto".
Em 1930, a mãe de Clarice morre, o que a deixou impressionada. E em 1934 a família se muda para o Rio de Janeiro, onde o pai morrerá em 1940. Clarice dá aulas particulares de português e matemática, mesmo tendo apenas 13 ou 14 anos, segundo ela mesma. Um dos livros que a marca é O lobo da estepe, de Herman Hesse.
Entra para a Faculdade de Direito, que começa a cursar em 1939, depois de passar em primeiro lugar no exame de habilitação. Mas não segue a carreira jurídica. E por que termina o curso? "O meu diploma foi conseguido somente por pirraça. Uma amiga, cujo nome não vou dizer, disse quando estávamos no terceiro ano: 'você é dessas que começam um monte de coisas e não terminam nenhuma'. Isso me aborreceu e para provar que ela estava errada comecei a estudar das sete da manhã às onze da noite, parando apenas meia hora para almoçar e uma hora para jantar".

Termina o curso no final de 1943, e não participa da formatura, em dezembro desse ano. Durante o curso seu pai morre, e vai morar, junto com Elisa, com a irmã Tania, casada, que vivia em um apartamento pequeno. Passa por vários empregos, entre eles um como redatora da Agência Nacional, por volta de 1940, dando início a uma atividade jornalística que se estenderá ao longo da vida, embora com algumas interrupções. Seu primeiro registro profissional data de março de 1942, quando acabava de completar 22 anos, recebendo um salário mensal de 600 mil-réis. Assim, veio o primeiro livro que comprou: Felicidade, de Katherine Masfield.
Publica alguns contos, gratuitamente, em alguns veículos, sendo o primeiro conto "Triunfo. Vem da época da Agência Nacional, sua grande amizade com Lúcio Cardoso, com quem manterá correspondência ao longo de alguns anos. Havia mesmo um indício de paixão entre eles, embora Lúcio fosse homossexual.
O ano de 1943 marca também o seu casamento com Maury Gurgel Valente, seu colega de turma na Faculdade de Direito. Sem muito entusiasmo, segundo afirma a irmã, Tania, que lhe escolhe o vestido de noiva e continua a lhe dar assistência maternal, tentando substituir a mãe que Clarice perdeu cedo. Mas reconhecendo que havia momentos em que pareciam apaixonados.

Devido à atividade profissional do marido, Clarice vive fora do Brasil de 1944 a 1959, com alguns intervalos no Brasil. Assim lança o seu primeiro romance Perto do coração selvagem, tendo por protagonista Joana. Lúcio Cardoso foi o primeiro leitor desse romance, publicado pelo jornal A Noite.
Ao se casar, passa um tempo em Belém, de onde escreve para Lúcio Cardoso.
Estou hoje um pouco confusa e sobretudo a fita da máquina não dá mais nada e está chovendo, eu não quero sair para comprar outra. Antes de começar a escrever eu tinha a impressão de que ia lhe contar como eu tenho escrito, como eu tenho duvidado, como eu acho horrível o que tenho escrito e como às vezes me parece sufocante de bom o que tenho escrito, e dois dias depois aquilo não vale nada, como eu tenho medo de ser uma "escritora" bem instalada, como eu tenho medo de usar minhas próprias palavras, de me explorar... eu pensava em dizer tudo isso, estava num impulso de sinceridade e confissão que muitas vezes eu tenho em relação a você. Mas não sei, talvez porque você nunca tenha sentido em relação a mim esse mesmo impulso, eu fico de repente apenas com as palavras que eu queria dizer mas sem gostar delas.

Clarice sai do Brasil e vai para Nápoles, em agosto de 1944, e lá fica até abril de 1946. Clarice não demonstar gostar de viver no exterior, e sempre sente saudades do Brasil e dos amigos, com quem se corresponde. Afirma destetar a atividade diplomática, e afirma-se passar-se por outra pessoa em tais ocasiões. Escreve de Nápoles, onde chega a prestar ajuda num hospital de soldados brasileiros, uma carta para Lúcio assim que chega.
Lucio,
É esquisito escrever uma carta de tão longe, parece que se fica com a obrigação de escrever coisas formidáveis. Por favor, nada é formidável, ou sei lá, talvez tudo seja. Fia [sic] uma viagem longa e sozinha. ...
De um modo geral eu tenho feito "sucesso social". Só que depois deles eu e Maury ficamos pálidos, exaustos, olhando um para o outro, detestando as populações e com programas de ódio e pureza. Deus meu, se a gente não se guarda como nos roubam. Todo mundo é inteligente, é bonito, é educado, dá esmolas e lê livros; mas porque não vão para um inferno qualquer? eu mesma irei de bom grado se souber que o logar [sic] da "humanidade sofredora" é no céu. Meu Deus, eu afinal não sou missionária. E detesto novidades, notícias e informações. Quero que todos sejam felizes e me deixem em paz. ...

Publica o seu segundo romance, O lustre, em 1946. Muda-se para a Suíca, onde mora em Berna. Talvez seja esse o lugar que foi mas difícil de Clarice morar. De 1946 a 1949 vive um período difícil, em que não vai conseguir escrever. É quando tenta elaborar A cidade sitiada. Toma como hábito ir ao muito ao cinema, de onde sai tonta, "de tal forma estou sempre disposta a perder a consciência das coisas e me entregar à inconsciência.".
Vive uma grande crise. Passa, agora, dias e, por vezes, semanas inteiras sentada numa poltrona, sem fazer nada. Escreve para as irmãs: "Aqui tudo igual. Eu lutando com o livro, que é horrível. Como tive coragem de publicar os outros dois? não sei nem como me perdoar a inconsciência de escrever. Mas já me baseei toda em escrever e, se cortar este desejo, não ficará nada. Enfim é isso mesmo". Fica a pergunta que dirige às irmãs nesta carta: "[...] eu sempre fui assim, difícil, melancólica?".
Clarice fuma, e confessa a necessidade do cigarro, mesmo com o apelo do médico. Fuma menos então. "Mas como deixar de fumar? O calor humano é tão parco... Eu fumo então.". Apesar das dificuldades, termina de escrever em maio de 1948 A cidade sitiada, publicado em 1949, quando vem ao Brasil. Depois fica um tempo na Inglaterra, onde começa o seu romance A veia no pulsa, que depois se chamará A maçã no escuro. Clarice vai para os Estados Unidos no dia 3 de setembro de 1952, onde fica por 8 anos, com rápidas vindas ao Brasil. Durante esse tempo, vive em Washington. Divide sua atenção entre o romance e o livro de contos Laços de família, além de cuidas dos dois filhos.

Termina o romance em 1956, e tenta publicá-lo no Brasil, fato que só acontecerá quando volta definitivamente depois da sua separação. Clarice vem, em 1959, com os dois filhos, e depois de um tempo na casa da irmã instala-se no Leme. Passa então a viver com um certo aperto financeiro, e por isso faz diferentes trabalhos, além de escrever livros, faz seções semanais em jornais, escreve crônicas, faz entrevistas...
Em 1964 publica duas obras importantes: o livro de contos intitulado A legião estrangeira e a novela que tem por título A paixão segundo GH. Clarice tinha o hábito de escrever com a máquina de escrever no colo, para poder dar atenção aos seus filhos, e diz que assim surgiram seus livros, escrevendo enquanto cuidava dos filhos, atendia o telefone, falava com a empregada...
Ao publicar a segunda parte do volume A legião estrangeira, com o título "Fundo de gaveta" a autora tenta explicar a razão desse título:

Por que publicar o que não presta? Porque o que presta também não presta. Além do mais, o que obviamente não presta sempre me interessou muito. Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão.
Em 1967, outro fato marcante na sua vida. Na madrugada do dia 14 de setembro, Clarice sofre um acidente: há um incêndio no seu apartamento. Adormecera fumando e, ao acordar, tenta apagar o fogo com as mãos. Tenta, também salvar os papéis do escritório. E fica gravemente ferida, sobretudo nas mão direita, a que usava para escrever. Olga Borelli, sua amiga, constata certas mudanças de comportamento de Clarice: "Cumprimentava às vezes com a mão esquerda. Talvez por pudor, receosa de constranger as pessoas, dirigia-se a elas com economia de gestos. Alguns dos seus manuscritos eram quase ilegíveis. Assinava com bastante dificuldade, mas utilizava ambas as mãos para datilografar".

A atividade de cronista, que realiza aos sábados no JB para conseguir dinheiro, às vezes lhe é muito penosa. Não lhe faz bem falar demais para tanta gente, e sente a nostalgia do silêncio.
O anonimato é suave como um sonho. Eu estou precisando desse sonho. Aliás, eu não queria mais escrever. Escrevo agora porque estou precisando de dinheiro. Eu queria ficar calada. Há coisas que nunca escrevi, e morrerei sem tê-las escrito. Essas por dinheiro nenhum. Há um grande silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras. E do silêncio tem vindo o que é mais precioso que tudo: o próprio silêncio.
Outro romance seu é publicado em 1969, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, que, segundo informa Clarice, foi trabalhado durante 9 dias. A autora o considerava um romance falhado, e chega a dizer que não gosta dele.

No final de 1970, conhece Olga Borelli, iniciando uma relação de amizada que durará até o fim da vida de Clarice. Depois de conhecer Olga, e encontrar-se com ela algumas vezes, há uma atitude inusitada de Clarice, dois dias depois do segundo encontro delas, onde dá para Olga uma carta em que pedia, "por escrito", que Olga fosse sua amiga.
Eu achei, sim, uma nova amiga. Mas você sai perdendo. Sou uma pessoa insegura, indecisa, sem rumo na vida, sem leme para me guiar: na verdade não sei o que fazer comigo. Sou uma pessoa muito medrosa. Tenho problemas reais gravíssimos que depois lhe contarei. E outros problemas, esses de personalidade. Você me quer como amiga mesmo assim? Se quer, não me diga que não lhe avisei. Não tenho qualidades, só tenho fragilidades. Mas às vezes [...] tenho esperança. A passagem da vida para morte me assusta: é igual como passar do ódio, que tem um objetivo e é limitado, para o amor que é ilimitado. Quando eu morrer (modo de dizer) espero que você esteja perto. Você me pareceu uma pessoa de enorme sensibilidade, mas forte.

Você foi o meu melhor presente de aniversário. Porque no dia 10, quinta-feira, era meu aniversário e ganhei de você o Menino Jesus que parece uma criança alegre brincando no seu berço tosco. Apesar de, sem você saber, ter me dado um presente de aniversário, continuo achando que o meu presente de aniversário foi você mesma aparecer, numa hora difícil, de grande solidão.
Precisamos conversar. Acontece que eu achava que nada mais tinha jeito. Então vi um anúncio de uma água de colônia da Coty, chamada Imprevisto. O perfume é barato. Mas me serviu para me lembrar que o inesperado bom também acontece. E sempre que estou desanimada, ponho em mim o imprevisto. Me dá sorte. Você, por exemplo, não era prevista. E eu imprevistamente aceitei a tarde de autógrafos.
Sua, Clarice.

Mas conviver com Clarice era às vezes bem difícil, como relata a própria Olga.
Não é fácil ser amiga de pessoas muito centradas em si mesmas. Clarice era deste tipo e portanto exigia e absorvia bastante todas as pessoas de quem gostava. Tinha grande dificuldade para dormir e inúmeras madrugadas telefonava-me para se dizer angustiada e tensa. Acho que jamais esquecerei uma época em que fui para Salvador dar um curso. Uma noite, ao chegar no hotel, recebi recado para lhe telefonar com a maior urgência. Sua voz ao telefone estava estranha: "Olga, estou tão aflita. Numa angústia enorme. Não sei o que pode acontecer comigo. Volte o mais breve que você puder. " Cancelei tudo e vim encontrá-la no dia seguinte na hora do almoço rindo, bem disposta. Sabe o que me disse? Que eu a levava muito a sério e que tinha apenas me precipitado ao voltar. É claro, fiquei chateadíssima, mas aprendi muito com a história.

No início dos anos 70, Clarice publica text0s autobiográficos na coluna do JB. Alguns deles saem num novo volume de contos, intitulado Felicidade clandestina, de 1971. Em 1972, cobra de Carlos Scliar uma velha promessa, e pede que lhe faça o seu retrato, pedia como se precissa cumprir algo que surgia, segundo o amigo.
O livro Água viva é publicado em 1973; Clarice trabalhara nesse romance nos três anos anteriores. O livro publicado, era menor do que a versão anterior que exisitia, que levava o título Atrás do pensamento: um monólogo com a vida.
Clarice também publicou diversos livros infantis, entre eles A vida íntima de Laura, onde Laura é uma galinha, aliás, as galinhas talvez sejam os bichos preferidos da escritora, personagens de vários contos dela.

Devido aos problemas financeiros, acaba escrevendo, como que sobre encomenda, um volume de contos, publicado em 1974: A via crucis do corpo, publica nesse mesmo ano também Onde estivestes de noite. Nesses livros aborda muito um tema até então pouco explorado em suas obras, o sexo. Esse fato parece não agradar muito a autora, sentindo-se até envergonhada diante dos filhos, ao escrever as histórias justamente nesse dia 12 de maio, Dia das Mães. Há uma certa desficcionalização dos textos de Clarice nessa época, evidenciada pela sua inscrição, como pessoa e escritora, na sua obra, registrando fatos diários.
A escritora possuía hábitos ligados a superstições e crendices, tais como acreditar no poder de certos números, como o 5, o 7 e o 13. Pedia a Olga Borelli, que lhe datilografava os textos, para contar sete espaços nos parágrafos. E para dar jeito de terminar um determinado texto na página 13. Talvez esses fatos expliquem um pouco a sua participação no Congresso de Bruxaria da Colômbia, para o qual foi convidada. No Congresso, leu um conto seu, "O ovo e a galinha", que a autora dizia ser misterioso para ela, e possuir uma simbologia secreta.
Clarice, mesmo tendo amigos, se sentia só, talvez em virtude de considerar o ato de escrever solitário, e diz que ás vezes sente solidão. Algo evidenciado numa entrevista de 1965:
- Clarice, se você pudesse roubar alguma coisa, o que roubaria?
- Roubaria gente, pessoas, companhia.
Um dos hábitos de Clarice, era peguntar sempre e seguidamente: "E agora?". É Olga Borelli que conta, ao ser entrevistada: "Ela sempre dizia: 'E agora?'. Você imagina ser amiga de uma pessoa que, a todo instante, pergunta: 'E agora?' e agora nós vamos para casa ver televisão. 'E agora? E agora? E agora? E depois? E depois?' Era assim".
O cachorro Ulisses era um dos seus grandes companheiros, famoso por fumar os cigarros apagados de Clarice.

No fim da vida, dá uma entrevista para a TV Cultura, talvez o maior documento em vídeo da escritora, que ela pede que só seja levada ao ar depois da sua morte, pedido que é atendido.
No dia 1º de novembro de 1977, é internada. Estava com câncer no útero, que, posteriormente, foi se alastrando pelo corpo. Mas não sabia. Pelo menos, nunca lhe foi dito. E se sabia, ou desconfiava, nunca se manifestou a respeito. Recebeu a informação de que se tratava de peritonite. E manteve o silêncio.
Enquanto ia para o hospital no táxi, em companhia de Olga Borelli e de Siléa, que a acompanhava desde o acidente do incêndio, ia fazendo planos para uma viagem imaginária. Olga nos conta, em entrevista publicada na revista Manchete, em 1981:

A tristeza era tanta... que Clarice resolveu levar-nos imaginariamente para bem longe, Paris, e começamos a fazer planos e falar sobre o que faríamos. O motorista do táxi perguntou timidamente: - Eu também posso ir nesta viagem? Clarice respondeu: - É claro. E ainda pode levar sua namorada.
Morreu às dez e meia do dia 9 de dezembro, numa sexta-feira. Conforme o costume judeu, não pôde ser enterrada no dia seguinte, que seria um sábado. E que seria também o dia do seu aniversário. Foi enterrada no domingo, dia 11 de dezembro, no Cemitério Comunal Israelita.
Nos seus últimos momentos, Olga Borelli, que com ela ficou até o fim, presenciou - e nos conta - um fato tão intenso quanto teria sido a própria vida literária de Clarice. Talvez seja esta a narrativa-clímax de sua vida, ou seja, de sua morte, mas morte já não de si mesma, da Clarice, ou das Clarices, mas de uma outra, já totalmente transfigurada em ficção. Ao querer não morrer, Clarice ficcionaliza este trágico espetáculo: o de exergar-se como uma criação de si, na luta vã de resistir à morte e de não partir novamente. Agora, quem sabe, até o seu porto de chegada.

Na véspera da morte, Clarice estava no hospital e teve uma hemorragia muito forte. Ficou muito branca e esvaída em sangue. Desesperada, levantou-se da cama e caminhou em direção à porta, querendo sair do quarto. Nisso, a enfermeira impediu que ela saísse. Clarice olhou com raiva para a enfermeira e, transtornada, disse:


- Você matou meu personagem!



Fonte: Gotlib, Nádia Battella. Clarice - Uma vida que se conta. Editora Ática 3ª ed.- 1995

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