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Casamento, desenvolvimento adulto e felicidade




Todos somos influenciados, quer gostemos ou não, pelos desígnios socioculturais do momento histórico no qual nos encontramos. Fomentadas pelas particularidades de cada época, as predisposições coletivas em relação a aspectos essenciais da experiência humana - como o sexo, o poder, a democracia, a beleza, o casamento, a virtude e muitas outras - adquirem um caráter incontestável. É assim que um conjunto de valores e idéias tendem a ser aceitos pela maioria como sendo verdades naturais, e indissociáveis, da condição humana.


A partir desses valores e idéias axiomáticas, formam-se padrões aos quais os indivíduoas tentam se adequar no intuito de serem considerados parte integrante da coletividade. Na opinião do psiquiatra suíço Carl Jung (1875-1961), essa “submissão” aos padrões socioculturais estaria profundamente vinculada à primeira fase da vida adulta. Dessa forma, Jung defende que a tarefa do indivíduo durante a primeira metade de sua vida consiste em estabelecer-se no mundo, cortar os vínculos da infância que o ligam aos pais, arranjar um parceiro sexual e iniciar uma nova família. Jung refere-se freqüentemente a essas tarefas como ‘o cumprimento das nossas obrigações‘; e fica-se com a impressão de que, para ele, a luta dos indivíduos a fim de realizarem esses objetivos não se reveste de grande interesse intrínseco.

A maioria das clínicas psicoterapêuticas é freqüentada por indivíduos que foram mal sucedidos na luta para se emanciparem da infância e estabelecerem felizes relações afetivas. A capacidade de se emancipar da infância, muitas vezes exige a superação da lembrança de uma mãe ou pai terrível.

A experiência entre pais e filhos constitui o encontro básico com o poder e a autoridade. A necessidade de encontrar a própria autoridade é essencial na meia-idade. De outro modo, a segunda metade da vida permanece dominada pelas fantasias da infância, sejam elas boas ou ruins. A capacidade paterna e materna de oferecer vivências positivas que coroem a infância de afeto genuíno, cuidado e limite, se torna o grande diferencial afetivo para que a criança possa superar sua ansiedade natural diante dos desafios do crescimento.

Quando pai e mãe não se mostram positivamente receptivos, cria-se espaço para a formação da angústia fundamental que sustenta todas as atitudes e comportamentos ao longo da vida. Atitudes e comportamentos que não foram confrontados e questionados na primeira metade da vida encontrarão seu ponto de conflito na meia-idade, quando o desenvolvimento psicológico do sujeito leva-o a voltar-se para si mesmo, e a experiência da felicidade apresenta-se como essencialmente vinculada à conquista de satisfação afetiva.

Em geral, a busca por uma vida afetiva plena e satisfatória significa uma revisão profunda dos vínculos estabelecidos na juventude e início da vida adulta. Nessas condições, o casamento, como principal vínculo afetivo da adultez, será o tema central desse processo de revisão da própria vida. Razão pela qual tantos casamentos se desfazem com o advento da meia-idade.

A maioria dos casamentos que chegam ao fim são rompidos pelo peso das expectativas geradas pelas projeções que os envolvidos fazem em relação ao outro. Muitos casamentos resistem à emergência dos conflitos da meia-idade mas, para que isso ocorra, o reconhecimento dos mecanismos que fomentam as projeções é fundamental.

A autora junguiana Marie-Louise von Franz descreve cinco estágios de projeção:

primeiro, a pessoa se convence de que a experiência interior é verdadeiramente exterior;
segundo, ocorre um reconhecimento gradual da discrepância entre a realidade e a imagem projetada;
terceiro, a pessoa se vê obrigada a reconhecer essa discrepância;
quarto, ela é levada a concluir que estava de algum modo errada originalmente;
e, quinto, a pessoa precisa procurar dentro de si mesma a origem da energia projetada.
Segundo von Franz, esse último estágio, a busca do significado da projeção, sempre envolve a busca de maior conhecimento de si mesmo.

A erosão das projeções, o retraimento das esperanças e expectativas que elas personificam, é quase sempre dolorosa, mas é um pré-requisito necessário do processo de individuação que exige a integração dos opostos. Reconhecer os aspectos contrários das diversas possibilidades de apreensão da experiência, tanto interior como exterior, é a unica via para que o projeto da individuação não estanque ainda na primeira década da meia-idade.

O medo da ruptura de estruturas de vida já estabelecidas pode representar para muitas pessoas um empecilho para a aceitação consciente da dissolução das projeções, e conseqüente continuidade da jornada pessoal, em especial no que tange ao casamento, essa instituição sociocultural tão carregada de elementos arquetípicos.

A questão da meia-idade pode não ser necessariamente ingressar nas estatísticas de divórcio, mas afastar as projeções que impedem de reconhecer o outro e a si mesmo. Compreender e considerar as projeções como imagens internas do próprio sujeito, elimina a fantasia infantil de encontrar a felicidade às custas do outro. O que inquieta sexual e afetivamente ao sujeito no casamento, quase sempre, é uma representação simbólica do que ele necessita para atingir a própria inteireza.

Tende-se a desejar aquilo que falta no próprio desenvolvimento consciente. Se, no nível consciente tem-se relações do ego com outras pessoas, ao estabelecer um vínculo romântico com alguém, o sujeito concede a primazia de sua escolha afetiva a anima e/ou animus, que são os elementos contrassexuais mais ou menos conscientes da psique.

A perspectiva junguiana insiste na idéia de que, tanto a anima quanto o animus têm de ser expressos. Um homem precisa reconhecer e vivenciar as suas características femininas e masculinas, o mesmo se dá para a mulher em relação as suas características masculinas e femininas. Caso contrário, esses aspectos vitais ficarão latentes e subdesenvolvidos, levando a uma unilateralidade da personalidade.

O que acontece é que, quão menos integrados esses opostos se encontrarem ao nível da psique, mais haverá uma tendência do sujeito a buscar relacionamentos compensatórios, nos quais se atribui ao outro a responsabilidade pela própria completude e, conseqüentemente, pela própria felicidade.

Escrito por Angelita Corrêa Scardua.

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4 comentários:

Iúri disse...

Olá Joicinha,

Que texto fantástico!
Realmente temos muito a aprender com a psicologia. Gostaria de ler mais sobre o assunto, mas o tempo tá curto.

Grande abraço.

Anônimo disse...

Joici

Para quem busca, conscientemente, o autoconhecimento e o autodesenvolvimento o conteúdo deste texto é importante e lhe é familiar. Nele encontram-se oportunidades para reflexões imprescindíveis.

Parabéns pelo post.

Um abraço.

Nelson (ProfessorNelsonMS)

Principe Encantado disse...

A psicologia esta ai para ajudar.Muito bom texto.
Abraços forte

Rosana Madjarof disse...

Joici,

Excelente texto.

Muitos dos elementos arquétipos que carregamos, dificultam a nossa interação com o outro, e com o nosso "eu" interior, e é de suma importância que busquemos esses valores para podermos resgatar nossas vidas por completo, e somente assim a felicidade será plena e absoluta.

Grande Jung.

Adorei!

Bjs.

Rosana.

 

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