Por Otilia B. Rosário
Da essência feminina guardas a chave.
E, com segura mão manténs
O fio de Ariadne desse labirinto ...
Se, com desvelo és tratado,
Percorres com a mulher.
Os tortuosos e intrincados caminhos
Por onde se pode encontrar a brilhante tocha,
Que lhe devolve à palavra a lucidez.
Mas, se te desconhecem ...
Se estrangeiro permaneces em tua pátria
Tua luz devastadora arrebata
A presa incauta e louca
Lançando-a cegamente ao trágico destino.
Qualquer tentativa de se definir, de aprisionar em um conceito, um arquétipo, é uma empreitada fadada desde o início ao fracasso, a frustrar àquele que a esse trabalho se entrega.
Assim, para falar de ânimus, este núcleo inconsciente da alma feminina, fator determinante de projeções e, por isso mesmo, a via de acesso aos conteúdos mais profundos e desconhecidos da psique feminina, recorremos à linguagem simbólica da poesia, à cadência e ao ritmo das palavras, ao que se escreve nos espaços plenos de energia entre um som e outro, para além do simples conceito, numa tentativa de definir o indefinível.
Em seu livro "Reflexos da Alma", Marie-Louise von Franz refere-se ao ânimus como o guia masculino da alma da mulher, concedendo-lhe o valor de psicopompo, daquele que serve como ponte entre a consciência feminina e o inconsciente.
Sobre esta função do ânimus Jung, no Volume IX/2 das Obras Completas, par.23, manifesta-se da seguinte forma:
Assim como a ânima, o ânimus também tem um aspecto positivo. Sob a forma de pai expressam-se não somente opiniões tradicionais mas também aquilo que se chama "espírito" e de modo particular certas concepções filosóficas e religiosas universais, ou seja, aquela atitude que resulta de tais convicções. Assim o ânimus é também um psicopompo um mediador entre consciente e o inconsciente e uma personificação do segundo.
As primeiras estrofes da poesia com que iniciamos esse texto, referem-se a essa função de guia, de possibilidade de acesso ao inconsciente proporcionada à mulher pelo ânimus.
Em outra referência Jung enfatiza o aspecto Logos/Eros da interação completa Yang-Yin.
A mulher é compensada por um elemento masculino, seu inconsciente tem uma marca masculina. Daí resulta uma considerável diferença psicológica entre homens e mulheres, por isso chamei ao fator gerador de projeções nas mulheres, de ânimus, que significa "espírito ou mente".
O ânimus corresponde ao Logos paterno, assim como a ânima corresponde ao Eros materno.
... Utilizo Eros e Logos meramente como apoio conceituais para descrever o fato de que a consciência feminina se caracteriza mais pela qualidade conectiva do Eros do que pela discriminação e a cognição associada ao Logos. (JUNG).
É desse aspecto inconsciente da mulher que se originam a inflexibilidade de suas opiniões, de seus juízos e convicções oriundas todas de padrões interiores, pré-julgados que não têm relação com as necessidades reais da mulher e que a impedem de ver o outro como ele realmente é, impossibilitando um relacionamento genuíno.
Ainda, de acordo com Jung, as dificuldades sentidas pelas mulheres em seus relacionamentos, não só a nível homem/mulher, mas de forma mais ampla, no modo como se conecta com a realidade da vida, derivam da extroversão do ânimus, ou seja, nas situações exteriores, quando se faz necessária uma reflexão consciente, a intervenção do ânimus é desastrosa, vez que, como função associativa de idéias, o ânimus deve se pautar pela introversão, deve se aplicar a associar os conteúdos do inconsciente.
Esse diálogo com o inconsciente produz o que Jung chama de "a palavra que engendra", a emergência desse masculino interior existente em toda mulher, de sua criatividade, que a liberta das opiniões defensivas, das estereotipias, que a torna verdadeiramente feminina, que lhe possibilita, assim como na poesia "encontrar a brilhante tocha que lhe devolve à palavra a lucidez".
Para atingir esse objetivo a mulher precisa aprender a precaver-se das armadilhas provenientes da literalização desse arquétipo. Precisa tornar-se atenta aos juízos e opiniões carregados de emoção e se perguntar o que realmente quer e por que , pois se não seguir o caminho percorrido por Perpétua, se isolar a Saturus e Pomponius, tornado-os estrangeiros em sua pátria, pode significar a morte de sua personalidade real, a impossibilidade de se tornar um ser humano capaz de cumprir o seu destino.
O alheamento desses deuses e demônios invisíveis podem levá-la ao engolfamento da consciência pelos conteúdos inconscientes, o envolvimento da "vitima incauta e louca pela luz devastadora que cega e arrebata".
Esse diálogo com o ânimus é pois o eterno desafio de toda mulher, o caminho inevitável para seu processo de individuação.
Trabalho elaborado para
o curso de pós-graduação
em Psicologia Analítica da
PUC-PR por Otilia B. Rosário.
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